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terça-feira, 20 de dezembro de 2016
domingo, 18 de dezembro de 2016
quinta-feira, 10 de novembro de 2016
CINEMA NOVO: fronteiras do ficcional e do factual rumo ao imaginário brasileiro
Assisti ontem, 09/10/2016, na sessão
de abertura do Panorama Internacional Coisa de Cinema, em sua edição Panorama em
Cachoeira (com exibição de filmes no Cine-Theatro Cachoeirano) o filme “Cinema
Novo”. Comercialmente rotulado no gênero audiovisual do documentário e, premiado
no Festival de Cannes, “Cinema Novo” (Eryk Rocha, 90’, 2016) é um filme pretensiosamente
elaborado em sua montagem dinâmica, a fim de dialogar com outros sistemas
simbólicos de saberes e práticas para a enunciação de mensagens na proposição
de idéias e transmissão de valores, sejam estes, arcaicos ou tradicionais, como
a tradição da oralidade do canto e da poesia popular, a performance teatral, os
ritos espetaculares, a saber, fenômenos artísticos atemporais, que mesmo transmutados,
encontram-se registrados nas lentes cinematográficas do movimento estético
cine-novista da década de 1960, como assoalho cultural no qual o incerto
projeto de Estado-nação brasileiro se edifica. Flertando com as proposições dos
realizadores do movimento cinematográfico do Cinema Novo, o filme homônimo assume
uma ousada tarefa para com a recente tradição do cinema brasileiro: explorar as
referências de um passado cada vez mais longínquo (porque desconhecido por grande
contingente de jovens receptores da atualidade), no intento de um leitmotiv da simbologia do Cinema Novo
em relação ao imaginário nacional, recortado e personificado, nas narrativas e
dramas humanos de diferentes sujeitos sociais brasileiros.
A montagem sagaz engendra uma estratégia
de apelo sensorial para uma dimensão reflexiva em que o “documentário” pretende
um filme-ensaio. No círculo hermenêutico de referências apresentadas, propõe-se
uma circunscrição acerca do imaginário-maquínico do movimento cinematográfico
do Cinema Novo, compondo uma frenética dança de frames e sequências
narrativas em bricolage de signos
visuais e sonoros, extraídas de outras produções fílmicas cine-novistas com
exceção, talvez, para curtas gravações de arquivos inéditas em que os realizadores
do movimento estético aparecem em momentos de descontração. A construção de
sentido de toda a montagem elege um duplo vetor que se estende simultaneamente
em dois planos: o campo histórico do concreto, abordagem factual aos sujeitos
realizadores e ao contexto da época, e, abordagem criativa ao campo ideacional
do imaginário-maquínico audiovisual das produções que mapeia. Na teodiceia dos
signos visuais e sonoros postos em movimento para a reunião no simbólico mítico
do cinema brasileiro, a narrativa de noventa minutos elege alguns filmes e
cineastas gravitando no em torno de Humberto Mauro como uma espécie de panteão
de pensadores/realizadores enquanto avatares do ideário cinematográfico brasileiro.
Certamente recorrendo a ficcionalização das figuras públicas que já se
delineiam históricas, desses mesmos sujeitos e suas realizações audiovisuais,
os realizadores cine-novistas são retratados de maneira idílica, num recorte
que favorece o lado solar de todos os personagens.
No decorrer da linha mestra do filme,
ambos os campos explorados, o factual e o ficcional, alinhavam-se por meio da
subjetividade do realizador, que erige um sentido e o dispara ao encontro do imaginário
nacional numa cartografia sócio-filosófica característica ao pensamento
plástico audiovisual, em que formas visuais e sonoras, ora em amálgama de
síntese, ora justapostas, em direta associação com as tantas montagens
intelectuais da cinematografia russa (tendo em Eisenstein seu nome mais relevante),
são encadeadas de maneira caleidoscópica, na tentativa de uma convergência da realidade
que, captada de maneira imaginativa e objetivamente fragmentária, não é a de um
“homem com uma câmera”, mas sim, de um sujeito com uma ilha de edição
não-linear.
Destaca-se, na composição de
movimento que a montagem confere aos olhares maquínicos e sem corpo das muitas
câmeras reunidas, todas elas num ciclope digital, as sequências de distintos personagens
em carreiras e corridas, sertões a fora e cidade adentro, como que perdidos no
tempo e no espaço, enunciando um típico recurso dos filmes de aventura, a
perseguição de sonhos para a satisfação de anseios, quaisquer que sejam, reafirmando uma das máximas da estética da fome, que é a representação
do povo e do contexto de precariedade econômica brasileira, outrora nos termos
do subdesenvolvimento, como a consumação de uma distopia do agora; o Brasil,
féerico sonho tropical e pesadelo sócio-político.
Outra passagem eloquente é a
sequência que se apropria do parto de Macunaína (de Joaquim Pedro de Andrade,
1969), enfatizando a concreta queda factual do nanico corpo de Grande Otelo ao contato
do barro primordial no terreiro de uma choupana, por entre as pernas da
nacionalidade mãe-brasilis de levantada saia verde resplandecente, a montagem conecta
tal cena com o ribombar de uma explosão que provoca o despencar do paredão rochoso
de uma gigante pedreira (da estória Pedreira de São Diogo, Cinco Vezes Favela –
1962, com direção de Hélcio Milito). No ir e vir incisivo de tais sequências,
eis o desfecho, a queda final; irrompe abrupto a placenta do subjetivismo da
nação o arquétipo do sujeito nacional, este, figura um corpo contorcido, subitamente
expelido, tendo na gravidade o bruto acalento do chão de sua pátria.
O grande mérito de “Cinema Novo”, para
além de sua aguda montagem a partir de um vasto banco de imagens, é justamente
sua proposta de compendio audiovisual da simbologia das produções
cine-novistas, ofertando ao público mais recente, a possibilidade de descobrir
a força poética proposta pelo cinema de autor que, factualmente, ficcionalizava
os dramas de sujeitos sociais brasileiros numa proposta interpretativa e
crítica da realidade imanente.
Por Sébah Villas-Bôas: artista visual
precário e prof. do curso de Artes Visuais do CAHL - UFRB/BA: @sebha.hidra.colere
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